Com pouco mais de um ano à frente do Centro de Educação Musical Cata Vento, Rafael Motta é  formado pelo Conservatório Brasileiro de Música. Atualmente com 26 anos, está inserido no cenário musical valenciano desde os 14, quando entrou para a banda Aríete. A Cata Vento, fundada em  fevereiro de 2011, hoje conta com cinco professores – Rafael entre eles – e com cursos de violão,  guitarra, piano, bateria, musicalização e canto, além de cursos personalizados para professores e  profissionais da área. “Eu tinha uma questão para voltar para Valença, porque aqui não tinha um ponto  de referência musical. Então pensei, vamos criar esse cenário”, assim explica o que o motivou a voltar para Valença depois de se formar como músico. Leia os principais trechos da entrevista.

‘Sempre estudei música’
Nasci no Rio de Janeiro, mas vim pra Valença com 6 anos, em 1992. Sou mais valenciano do que  carioca. Fiz os ensinos Fundamental e Médio, e naquela ânsia de fazer uma faculdade, comecei Odontologia, fiz dois anos, mas larguei. Vi que estava indo por um caminho esquisito, que não  combinava comigo. Parei a faculdade e fui pro Rio estudar música.

Desde os 14 anos eu já tocava com o Aríete, isso em 2000. Eu sempre estudei música, meu pai desde cedo me colocou em aulas de música, com cinco, seis anos já fazia aula de órgão, teclado, piano. Com 11 anos decidi ir pro violão e comecei a tocar guitarra.

Aríete
O que me incentivou a caminhar com a música foi a banda Aríete. Na banda eu era o mais novo  quando entrei, tinha 14 anos, e a média do pessoal era 20, 21 anos. Acabei entrando porque meu irmão participava, e precisaram de um guitarrista. No início meu irmão nem queria, porque a gente não se dava tão bem nessa época. Mas quando cheguei, já no primeiro ensaio sabia um monte de músicas e o pessoal gostou.

A primeira formação da Aríete tinha, além de mim, Luiz Gustavo, o Santos, Alexandre, o Bacalhau, Felipe Duboc e Daniel Silvares. A gente ficou um bom tempo juntos e tocamos em vários lugares. Depois disso decidi ir pro Rio, fiz bacharelado em violão no Conservatório Brasileiro de Música.  Estudei violão por quatro anos e depois fiz licenciatura e estou no meio de uma pós-graduação em educação musical, também no Conservatório.

Música e ensino
Quando fiz a licenciatura percebi que essa coisa de ensinar, de dar aulas, me interessava bastante. Consegui nesse momento visualizar que poderia mudar alguma coisa. Quando terminei a faculdade eu tinha que decidir o que fazer. Se permanecia no Rio, fazia um mestrado na área de educação, ou se vinha pra Valença fazer alguma coisa. A minha única questão em voltar para Valença era porque aqui não tinha um ponto de referência musical, não valorizavam a música como arte. Então pensei, vamos criar esse cenário musical. Consegui um espaço legal aqui, e abri uma escola. A ideia da escola não é apenas ensinar, mas criar uma metodologia diferente.

O diferente da nossa metodologia é que a gente consegue integrar todos os cursos. O aluno que entra aqui não fica isolado na sala estudando apenas o seu instrumento. A prática é fundamental nesse processo. A pessoa pratica e a partir daí ela tem o interesse em se aprofundar. A partir do momento que a criança começa a estudar, quer tocar alguma coisa e ela vê que não consegue, automaticamente ela começa a estudar mais para conseguir tocar. A teoria vem depois do despertar. A gente deixa bem  aberto para a criação dos alunos, não é um processo rígido como o ensino de música vem sendo aplicado há algum tempo nas escolas.

Acredito que as pessoas ainda vejam a escola de música como uma coisa conservadora, acha que vai entrar e ter que ler partitura. Mas na verdade a gente faz o caminho inverso. Você tem que pegar situações do cotidiano da pessoa. Não adianta chegar para uma criança de oito anos e querer que ela aprenda a ler partitura e que toque música clássica, que é uma coisa que ela nunca ouviu na vida. Ela quer tocar o que ela ouve, o que ela conhece. A partir daí o papel do professor é apresentar coisas novas, acrescentar outros estilos.  Uma das coisas da Escola é a diversidade.

Uma outra questão é que, como a Escola é paga, acabo atingindo um público específico. Eu gostaria de conseguir fazer as duas coisas, ter a escola particular, e ter um espaço para alunos que não têm condições de pagar. Acho que futuramente a gente vai conseguir, estamos tentando viabilizar parcerias para isso.

Desejo de mudança
Faltam pessoas que acreditem mais no poder da mudança. Às vezes as próprias pessoas não acreditam que seja possível. Eu estou fazendo isso porque eu acredito que é possível criar uma mudança, fazer a música chegar num patamar de maior visibilidade, de maior respeito.

Em qualquer lugar isso é possível, mesmo sendo numa cidade do interior. Mas é preciso perseverança, porque não é algo rápido. Falta um pouco às pessoas pensarem em um projeto que seja  de longo prazo. Hoje está sendo difícil, mas se a gente fizer um trabalho bem feito, daqui a pouco  fica mais fácil. No futuro teremos nossos alunos tocando, vão entrar outros. Não podemos deixar de fazer.

A gente está tentando criar um cenário novo, pensar numa nova forma de encarar a situação, de criar um centro que reúna o ensino de música, de forma que chegue até um nível avançado. Eu vim pra cá já sabendo que esse cenário precisa ser construído. É uma ideia nova, é o estudo da música, o consumo à música.

Sempre tivemos uma visão de que a música é para poucos, para a pessoa que tem o dom. E não é. Todo mundo que se dedique o mínimo por dia em estudar um instrumento, vai tocar. O dom vai fazer o cara ser um grande compositor, vai conseguir visualizar certas coisas que outros não conseguem, mas qualquer um é capaz. Essa visão de que a música é algo sobrenatural, que é para poucos, que a gente quer combater. Qualquer um pode fazer música, você não precisa ser um profissional. Você pode estudar música simplesmente para tocar pra você mesmo. As pessoas têm que entender que você não precisa ser o melhor violinista do mundo. Tudo é treino, prática, e vai depender de quanto você quer se profissionalizar.

Música como arte?
Uma coisa que se perdeu é a pessoa parar para ouvir música. Hoje você quase não vê uma pessoa parada ouvindo música. Está todo mundo com fone, andando, caminhando, no carro, de bicicleta. Mas ninguém para pra ouvir música. A música se tornou uma trilha sonora. As pessoas  desaprenderam a ver a música como arte. Por isso as músicas com refrão fácil, que a pessoa guarda ao ouvir pela primeira vez, são as que fazem sucesso.

Cenário musical de Valença
Há dez anos a acessibilidade às coisas era mais difícil. Quando a banda Aríete começou, há 12 anos, a gente ainda ouvia música em fita k7. Depois você começa a ter mais acesso, a internet já te abre outras possibilidades. No cenário rock, quando começamos tínhamos algumas bandas. Essas bandas de rock – Delta Mood, Aríete, Apologia, Província já no final, Tribo Urbana – tiveram uma duração e com isso estimularam muito o pessoal a tocar. Tem uma foto do Bar do Santana, que ainda era no Casarão que pegou fogo, e nas fotos antigas você vê que o público são as pessoas que estão tocando hoje. É essa coisa de ter uma referência. Porque surgem várias bandas de rock? Porque várias bandas de rock se mantiveram, criaram público.

Mais recentemente, o que também estimulou esse crescimento foi o Pesqueiro do Vitinho se firmar como um ponto de show ao vivo. Porque antes disso a gente não tinha um local, a gente tocava no Marley e a polícia vinha e parava o som. Isso tudo é um círculo. A banda que está procurando um  espaço para tocar, a casa de show que abre o espaço e o garoto novo que está assistindo e gostando, que já almeja montar uma banda para tocar ali. No Vitinho também passaram a pagar bem os músicos, antes disso era bem complicado. E isso serviu também como incentivo pra galera querer tocar. Nos últimos quatro, cinco anos surgiram várias bandas.

Valença como referência musical
Valença pra mim é muito forte em música. Em outras cidades é difícil encontrar três, quatro lugares com música ao vivo e Valença tem isso hoje. A música ao vivo em Valença se tornou uma atração. Se Valença está bem nessa questão, acho que agora é preciso valorizar, incentivar, aproveitar esse potencial como uma atração turística, se tornar uma referência na região como a cidade que tem vários shows legais. Mas pra isso é preciso ter uma organização. Você tem shows acontecendo em vários lugares, mas falta um pouco mais de produção no sentido de ter um palco, um som, uma iluminação de qualidade, algo que envolva mais o público, para que o público também entenda o porquê de valorizar aquilo. Começar a tratar a música não como som ambiente, mas ser a atração da noite. Saber valorizar esse ponto.

Valorizar o que é nosso
Em Valença temos vários poetas, pintores, músicos. Porque não começar a valorizar essas pessoas de Valença? Posso dar um exemplo comum aqui, que é quando vem uma banda que vai tocar na Festa da Glória, o artista de fora tem um palco super profissional. Quando vai fazer com banda de Valença, coloca um tablado, aluga um som mais ou menos. A gente precisa valorizar o que é nosso. Se vamos fazer um show com as bandas de Valença, vamos montar uma estrutura de qualidade. Na maioria dos carnavais, por exemplo, temos dois palcos. O profissional para os artistas de fora, e onde tocam os  grupos de Valença, um tablado com iluminação precária. Porque o grupo de Valença é tratado sempre de forma menor? Essa diferenciação é esquisita.

O Centro de Educação Musical Cata Vento fica na Rua dos Mineiros, 143 – Centro.
(24) 2452-4541 – http://www.facebook.com/cataventocem – contato@cataventocem.com


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2 COMENTÁRIOS

  1. Gostaria de parabenizar o Músico e Professor Rafael Motta, apesar de não conhecê-lo pessoalmente, por sua iniciativa em acreditar e implantar em Valença, uma Escola de Educação Musical desta monta, visando o crescimento desse seguimento cultural, artístico e profissional e dando a oportunidade a todos os interessados pela Música, principalmente àqueles que não tem a condição de se deslocar para uma outra cidade onde o acesso à Música é mais fácil. Temos que acreditar em nossos sonhos e torná-los reais e se possível, permitir que eles se integrem com outras pessoas para um bem comum. Isso é trazer a felicidade à tona e deixá-la ao alcance de todos. Parabéns Rafael, e assim que houver um tempo farei uma visita à Cata Vento. Também sou músico e venho a tempos pensando no que poderia ser feito por essa cidade no tocante à Música.
    Obrigado pela oportunidade de comentar sobre essa maravilha!

    JHS. Grupo de Choro Pau e Corda.

    • Obrigado Jayme pela força e pela torcida. É muito bom sentir que muitas pessoas estão torcendo para nosso crescimento. Estamos nos esforçando muito para conseguir manter um ensino de qualidade e incentivo ao fazer musical. Com certeza, devemos marcar para tomarmos um café aqui no nosso jardim. Acredito que você irá gostar muito. Quero conhecer seu grupo musical também. Abraços!

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